terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ilha Araraquara

Mais duas imagens exclusivas da Expedição Flip 2011: a Produção Literária embarcando na Bete - o barco que levou o pessoal no passeio pela Baía de Paraty, no setor oriental, a partir da praia de São Gonçalo. Vê-se à proa o piloto, nosso amigo Tiago. Abaixo a turma com a Ilha Araraquara ao fundo.

Domingo, 10 de julho de 2011. Assistimos à projeção da Mesa 15 na Tenda do Telão pela manhã e, como não conseguimos nos inscrever mais nas outras atrações da festa literária, resolvemos passear de barco, porque, tal como Macunaíma, não viemos no mundo para sermos pedra.

O passeio deu-se a partir da já citada praia de São Gonçalo. Os membros da expedição tiveram experiências singulares. Eu, por exemplo, tive a oportunidade de receber das mãos de um caiçara uma garrafa pet cheia de camarões sete-barbas vivos. Bom, pra falar a verdade, como o barco estava em movimento, tangenciando sua canoa, ele simplesmente arremessou a garrafinha no convés e eu a agarrei. Sei que nossos colegas Sônia e Victor têm também experiências marcantes dessa viagem para compartilhar, mas vou esperar que eles próprios as postem neste blog. Quanto aos camarões, estes foram fritos e servidos à expedição pela Bete, mãe do piloto do barco que nos conduziu pelo passeio e que toca um restaurante na Ilha do Pelado, a qual também visitamos.

Quanto à Ilha Araraquara, indaguei o piloto sobre a origem de seu nome, mas ele não soube dizer ao certo. Afirmou que foram os antigos que a batizaram, antes mesmo de existirem cartas náuticas. Nossos colegas de expedição brincaram, querendo que eu lhes apontasse as ilhas São Carlos, Matão e Américo Brasiliense. Como existe uma ilha menor, chamada Araraquarinha, deduzi que esta corresponderia ao distrito de Bueno de Andrada (aquele, elogiado em prosa por nosso querido Ignácio de Loyola Brandão).

Brincadeiras à parte, como ninguém soube explicar a origem do nome da ilha, lá vou eu fazer minhas especulações. Aliás, desde o advento do empirismo essa moda de se especular vem sendo por demais desmerecida. Como não tenho nada contra - e tampouco pretendo defender nenhuma tese ou provar nada pra ninguém -, que me perdoem os acadêmicos. Ou não.

Consultando um mapa da região, notei que a Ilha Araraquara está localizada na extremidade oriental da Baía de Paraty. Isso quer dizer que na alvorada os pescadores em seus barcos (no meio da baía, certamente retornando de mais uma madrugada cheia de trabalho) veem o nascer do sol por detrás dela. Ora, se considerarmos que araraquara significa mesmo morada do sol, temos então uma bela explicação para a origem do nome. Aliás, chamá-la assim também poderia servir como orientação no mar, uma vez que, segundo o piloto, não existiam cartas náuticas quando a ilha foi batizada.

Quem não tem um mapa da Baía de Paraty pra conferir, pode visitar o site www.paraty.com.br/ilhas_praias/ilhas.asp. A Ilha Araraquara é a de número 49. Nota importante: neste site o mapa está sem norte (não fique desnorteado!), mas dá pra imaginar uma linha reta entre a ilha e a cidade que corresponde mais ou menos à direção leste-oeste.

No próximo post vou especular sobre a origem do nome da Ilha do Pelado. Esta, sim, dá o que falar!

Um abraço!
Assis










sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Produção Literária marca presença em sarau no SESC




Abrindo a série de eventos ligados à literatura, o SESC Araraquara promoveu na última quarta-feira (24) o sarau lítero-musical "Histórias de Macunaíma". Produzido por Fernanda de Almeida Prado e Airô Barros, o espetáculo também contou com a participação dos artistas Elio Camalle, Gabriel de Almeida Prado e Jica.
Na oportunidade, a Produção Literária marcou presença e pôde apreciar uma homenagem à obra de Mário de Andrade, com leitura e passagens do livro, tendo como pano de fundo algumas canções de Élio Camalle, Gabriel de Almeida Prado, Paulo e Jean Garfunkel, Chico Buarque, Ruy Maurity e o poema Viola Quebrada de Mário de Andrade, musicado com Bat macumba de Gilberto Gil.
Após a apresentação, Airo Barros, cantora e declamadora do espetáculo, além de presentear o grupo com um livro de sua autoria, posou para algumas fotos - um orgulho para a Produção Literátura e um registro de sua passagem por Araraquara.

sábado, 13 de agosto de 2011

Sarau na Praça

Na sexta-feira, 12 de agosto, a Produção Literária compareceu ao "Sarau na Praça", evento organizado pela Prefeitura Municipal de Araraquara e realizado diante do Centro de Artes e Ofícios Judith Lauand, na Vila Xavier.

Naquela oportunidade conversamos com os alunos do Curso Técnico de Teatro do referido centro, estabelecendo um importante contato entre a produção literária e a encenação dramática. Além disso saboreamos um delicioso acarajé baiano preparado especialmente para a ocasião. Os membros da Produção Literária puderam também adquirir livros na Tenda de Livros Usados por preços bastante acessíveis (de R$ 2,00 a R$ 5,00 - já pensou se todo livro custasse isso?). Apreciamos também as interpretações musicais de Ekena Monteiro, araraquarense que revelou seu talento como cantora aos seis anos de idade.

Como um bom sarau não compõe-se apenas de acarajés, barganhas e meninas-prodígio, é claro que também teve leitura e improvisação de versos. Poesia é o que interessa, não é mesmo?

Nossa aluna Adriana Cássia de Carvalho deixou um poema no "varal": dispositivo interessantíssimo utilizado frequentemente pela organização do evento para divulgação dos trabalhos dos poetas. Não vou transcrevê-lo aqui porque gostaria que ela própria o postasse no blog.

Nossa colega Larissa abriu as leituras da noite interpretando Pontuação Quotidiana, de nossa aluna Yvone Salete. Apesar de tê-los apreciado em primeira mão, uma vez que os recebi "fresquinhos" por e-mail alguns dias antes, não vou reproduzir seus versos porque também espero que ela própria os poste neste blog. Entretanto sinto-me no dever de escolher um dos sete que declamei (pois é... professor tem que dar o exemplo!) e transcrevê-lo abaixo:

SE É QUE RECONHEÇO POR VAIDADE
o empenho em provocá-la por impulso
um pouco mais cada vez mais
somente para vê-la em seu sorriso
alisar os cabelos enquanto deseja
minha boca atenta, concentrada
presa como por vício à minha fala e
numa necessidade espontânea
que faz surgir um perfume em sua pele
que inspiro e reproduzo em novas palavras
que alimentam mais e mais sua impaciência
em possuir-me, de qualquer jeito
sem descanso, sem medir consequências
como se todos ao nosso redor não
estivessem e a natural timidez
e o recato habitual
cedessem ao poder inexplicável.

Ribeirão Preto - SP, sexta-feira 27-X-2006 00:25h

Poema publicado na
Revista da Academia Cachoeirense de Letras, nr.20;
Cachoeiro de Itapemirim - ES, 2007
http://www.academiacl.com.br/

Depois de muitas leituras, interpretações e improvisações, o pessoal do Curso Técnico de Teatro encerrou a noite com uma grande roda musical.

Infelizmente não tiramos nenhuma fotografia. Mas quem quiser tirar a prova de que tudo isso realmente existiu - e que não se trata de outro desses devaneios de ficção aos quais todos os escritores estão sujeitos - pode conferir clicando no link abaixo:


Um abraço!
Assis Furtado

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Lucidez

É curioso o motivo que me levou a escrever. Nunca tive essa vocação. Na verdade nunca gostei muito de ler: foi a situação atual que me incentivou a desabafar de alguma maneira. Já faz um ano que estou neste local e aos poucos ele me parece menos sujo do que no primeiro dia. Refleti muito sobre o motivo que me colocou aqui e hoje me arrependo de não ter me controlado na hora certa. Pode ser que aquele safado do meu chefe merecesse o que lhe fiz, pois com toda certeza ele estava errado da maneira que agiu. Após dez anos de empresa, a dedicação, todas as horas extras que não foram pagas, o tempo longe de minha família e todo o suor derramado foram em vão; fui trocado por um mauricinho qualquer, de uma faculdade da qual eu nunca tinha ouvido falar. Ah, o salário baixo de um estagiário foi o grande incentivador: o maldito dinheiro, a ambição e a vingança me colocaram atrás destas grades. Me vinguei da maneira mais irônica possível, envenenando seu café matinal com o próprio produto de sua empresa. Inseticida. Ri muito no momento em que descobri que ele estava internado no hospital, mas chorei muito mais no momento em que fiquei lúcido e me dei conta da besteira que tinha feito. De tão arrependido me entreguei e aqui estou escrevendo estas poucas palavras que, de certa maneira, me trazem algum conforto.


Richard Montezino


01/08/2011

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Episódio da dor de Rosa ou "A morte do velho curandeiro"

Como todos os dias, ela saiu, mata adentro, em busca das ervas medicinais e das determinadas pétalas de minúsculas flores, necessariamente cobertas de orvalho, para o preparo do remédio do pai.
         Havia um agrado nesses pequenos gestos – algo na rotina das pequenas coisas que lhe impelia a cantarolar no caminho, dançar sozinha pelos pastos, sorrir à gente hostil e ingrata que a desdenhava. Havia um orgulho em citar ou evitar certos nomes, sagrados ou profanos; em conhecer as propriedades, curativas ou não, das plantas no caminho. Ela sequer percebia o que sentia, tão naturais eram seus passos. Uma vez reunidos os ingredientes necessários, ela corria de volta à choupana escondida no vale e preparava a mistura de infusões e elixires. Com carinho, com precisão, com sabedoria. Dado o remédio, o pai voltava a dormir e ela preparava a tapioca. Um gole de café, forte e amargo, e um instante de descanso na entrada da choupana. Todos os dias vinha o sabiá e ela lhe jogava as migalhas dos pães. À tarde o trabalho na lavoura, na horta, catar arroz, preparar o almoço e um cochilo na rede. Depois algum conserto, algum trato na choupana, alguma costura. Alguma roupa a lavar e o banho no regato. Ao fim de toda tarde ela se aproximava dele. Tentava não acordá-lo. Aos poucos sentia seu cheiro de árvore; tocava lentamente a pele dura de seu braço; lhe beijava de leve a testa e sentia seu gosto de terra. Olhava sua aparência frágil e o pensava verde. O verde de seus olhos associado à toda sua pessoa. Então ele despertava de sua hibernação e a chamava pelo nome: Rosa. Ela sorria à sua voz rara e contava-lhe sempre a mesma história de pirata. Ao cair da noite, dormiam: pai no jirau, filha na rede. Assim acontecia todos os dias, anos a fio, desde o fuzilamento.
         Naquela tarde ele perguntou: onde estão tuas duas mães?
         Naquela noite ele pediu: conta-me a história de minha vida.
         Naquela madrugada ela não consegiu dormir.
         Naquela manhã ela saiu aflita a buscar uma planta de nome impronunciável. A única, a última. Sem cantarolar pelo caminho, nem dançar pelos pastos, nem pedir ajuda às gentes. Quantos anos se passaram? Valera a pena adiar por tanto o inevitável? Sua dor e desengano conduziam seu choro e seus soluços. Procurou desesperada por toda mata. Subiu e desceu montanhas todo o dia. Onde estava aquela flor miúda e sem nome? A última, a única. Sentiu-se culpada. Culpada por sua dor em saber quais ervas e infusões e misturas estancariam o sangue e prenderiam à vida o corpo do pai. Melhor seria nada saber? Melhor seria deixá-lo partir, como partiram suas duas esposas? Lembrou-se dos soldados no dia do fuzilamento. Lembrou-se da cor verde, que era a cor do pai. Chorou angustiada Rosa. Correu de volta à choupana e ele gemia o mesmo sussurro de quando, estirado no pátio do paço municipal, sangrava e ditava à criança a fórmula necessária para mantê-lo vivo: as palavras secretas, o gesto preciso e a ordem das misturas.
         Então, de joelhos, agarrou as mãos fracas do curandeiro e, a chorar sobre suas longas barbas, não sentiu seu cheiro de árvore e seu gosto de terra. Gritava pelo pai, cuja pele morena de Alentejo perdia aos poucos a cor. Ao ver sua camisa manchada de vermelho, prontamente a rasgou de alto a baixo e pôde ver as feridas há anos abertas jorrando o sangue há anos estancado. Gritava pelo pai, ensopado de sangue. O sangue manchando as mãos da moça, seu vestido, seus cabelos castanhos.
         Então o verde que ali habitava cessou e Rosa partiu.



Assis Furtado
Conto publicado na
Revista da Academia Cachoeirense de Letras, nr. 18;
Cachoeiro de Itapemirim – ES, 2005
www.academiacl.com.br